domingo, 5 de agosto de 2007

O paradigma biocêntrico nas Organizações

Os paradigmas exercem influência sobre o cotidiano do ser humano e, assim sendo, a conseqüente visão mecanicista de mundo desenvolvida a partir das teorias de Copérnico, Descartes, Bacon, Galileu e Newton, principalmente nos campos da astronomia, da matemática e da física, resultaram numa visão fragmentada de mundo que levou ao racionalismo e ao positivismo resultando na tecnociência do século XX.

A ciência cartesiana, racionalista retirou do mundo a subjetividade, a qualidade, a sensibilidade, a sensação, a impressão, o desejo, o afeto, levando as pessoas ao individualismo, à frieza, ao consumo desenfreado, à supervalorização da imagem e ao desrespeito a todas as formas de vida. O antropocentrismo prevaleceu.

As estruturas organizacionais atuais ainda respondem muito fortemente aos apelos do modelo mecanicista de mundo com um tipo comando-e-controle de administração, hierarquizada, com concentração de poder e riqueza.

Este modelo vem gerando, cada vez mais, conflitos entre os administradores e as pessoas que nelas trabalham por estarem alienadas da formação de seus processos constitutivos, organizacionais, administrativos, financeiros, relacionais. As regras são ditadas e não construídas nem legitimadas.

O pensamento complexo surge em contraposição ao cartesianismo e proporciona uma nova visão de mundo que descortina a realidade como inacabada, incerta, instável e incompleta, sendo compreendida como um tecido urdido pelo emaranhado de interconexões que se estabelecem entre tudo/todos que existe, formando um todo complexo – a teia da vida –, da qual o homem é apenas um fio.

A complexidade demonstrou que o equilíbrio nas relações lineares de causa e efeito defendidos pela visão mecanicista não se aplica aos sistemas vivos. Que há muito mais no todo que a simples soma das partes, e ainda, que nas partes encontramos o todo. Resgatou a qualidade das relações e dos padrões, indo além das estruturas mecanicistas e frias do mundo cartesiano.

Resgatou, também, para o mundo científico, a subjetividade, a sensibilidade, a sensação, o ontológico expurgados com a visão de mundo cartesiana. Tal compreensão transposta para o mundo organizacional permite uma compreensão mais real das dinâmicas organizacionais em meio a um mundo imprevisível, incerto e instável. Propicia, igualmente, a capacidade de diálogo, visão ampliada e possibilidade de melhores escolhas mesmo ante a imprevisibilidade.

Sob este paradigma, apreende-se a interação que se estabelece entre tudo que existe. Em sua relação com o mundo, o ser humano, ao mesmo tempo, modifica-se e modifica o meio. As organizações, igualmente, promovem e dinamizam padrões de interação e conexão entre si, de modo a possibilitar a autopoiese para o surgimento de novas possibilidades. A compreensão dos efeitos neguentrópicos da ordem caótica é importante para a dinamização da criatividade e da inovação, bem como, para a aceitação e respeito à diversidade, essenciais para o fortalecimento da unidade organizacional.

As organizações que compreendem o mundo com a visão da complexidade, partindo do princípio biocêntrico, terão maiores e melhores possibilidades de existência, a partir do entendimento de que tudo que existe está interconectado em rede, englobando os âmbitos micro e macro.

Para uma inserção no mundo moderno, em que forças de vários setores clamam por ações que resgatem a essência humana enquanto espécie, tirando-a do individualismo em que submergiu pelo chamamento do capitalismo que avilta e exclui, as organizações, especialmente, têm a possibilidade de muito contribuir para a ressignificação do sentido de vida, começando por possibilitar às pessoas fazer parte da sua construção.

A Educação Biocêntrica, enquanto "pedagogia do encontro", parte do princípio biocêntrico, tendo por essência um profundo respeito por todas as formas de vida, possibilita os meios para que organizações saudáveis possam surgir, uma vez que proporciona e incentiva a construção por seus integrantes, de uma visão de mundo e cultura integrativa e relacional de valorização da vida, respeitando-se na unidade a diversidade.

Ela pauta-se no respeito à vida em todas as suas formas, no resgate e fortalecimento da auto-estima das pessoas e em uma consciência de si mesmo no mundo que proporcione uma identidade saudável construída e fortalecida vivencialmente, e por isso legítima, autêntica e autônoma.

A Educação Biocêntrica preconiza que relações saudáveis são constituídas a partir da afetividade, com a consciência de que é nas relações que a pessoa modifica-se a si mesma, o(s) outro(s) e o meio. O propósito, que é a expressão da essência das aspirações de todos da organização biocêntrica, a ser construído e legitimado por todos na formação da organização biocêntrica, deve ser pautado nos princípios preconizados e defendidos pela Educação Biocêntrica: princípio biocêntrico, da progressividade, vivencial, da auto-regulação, da transvaloração, da reciprocidade, dentre outros.

A vivência – o sentir-pensar-agir de modo reflexivo-vivencial –, potencializa a criatividade, a inovação, a alegria do sentir-se vivo e pleno, e a proatividade, resultantes do envolvimento pleno e cheio de significado de cada pessoa da organização, e resultantes de suas mais altas aspirações.

Os círculos de cultura e sessões de Biodança, desde que estas sejam realizadas por facilitadores ou didatas formados para tanto, são importantes meios para a dinamização e fortalecimento da identidade e criação de vínculos afetivos saudáveis, bem como, para legitimar a participação de todos na formação da organização biocêntrica.

Outros meios, ainda não usuais na gestão das organizações atuais, podem ser utilizados, como: desenvolvimento de times, entrevista (individual, par, tríade), grupo de vivência, laboratório de casos (com-vivência), desenvolvimento de papéis, laboratório temático e consultoria de terceiro partido, desde que consonantes com o propósito e princípios da organização biocêntrica.

Enfim, a organização biocêntrica promove o encontro da pessoa consigo mesma, com o outro e com a totalidade, gerando o vínculo saudável a partir da afetividade em busca de um propósito comum.

A organização biocêntrica forma-se a partir de pessoas envolvidas com conceitos complexos e biocêntricos, como: vida, complexidade, comunidade, cooperação, coletivo, redes relacionais interconexas, caórdico, flexibilidade, inovação, mutabilidade, solidariedade, cuidado, times, liderança compartilhada, respeito a todas as formas de vida, inclusão, dentre outros apresentados neste trabalho.

A proposta de construção de uma organização biocêntrica é complexa e somente será possível, quando seu propósito, a partir do princípio biocêntrico, e consonante com as mais altas aspirações de cada pessoa nela inserida, for compartilhado e vivenciado por todos que dela fazem parte, reunindo a comunidade em torno de algo que dê sentido intrínseco às suas vidas, tornando-as pessoas felizes e contribuindo para a construção de uma ecologia social.

Fonte:
SAMPAIO, Irene Nousiainen. Organização Biocêntrica - emergência de um novo paradigma na administração. Fortaleza, 2005. 116 p. Monografia (Especialização em Educação Biocêntrica - A Pedagogia do Encontro)
Universidade Estadual do Ceará.

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