domingo, 5 de agosto de 2007

As organizações no mundo globalizado

O mundo, hoje, busca estar cada vez mais integrado, graças aos avanços tecnológicos obtidos nas telecomunicações por meio de satélites, telefones fixos e celulares, rádios, televisões, agências de notícias, no mundo da informática, dos transportes e em termos de logística. As técnicas de produção são cada vez mais sofisticadas, sendo o conhecimento, a matéria-prima cada vez mais necessária.

Esta mesma sociedade, tão atual, chamada sociedade do conhecimento e da comunicação, “está criando, contraditoriamente, cada vez mais falta de comunicação e solidão entre as pessoas", como alerta Boff (2004: 11). A virtualidade está criando um novo mundo para o ser humano, “caracterizado pelo encapsulamento sobre si mesmo e pela falta do toque, do tato, do contato humano”. Estas anti-realidades, assim denominadas ainda por Boff (2004: 11), estão afetando o que a humanidade tem de mais essencial que é o cuidado e a com-paixão.

Nas empresas, a globalização provocou aceleração da produtividade, da qualidade da produção, barateamento de custos, maior circulação de mercadorias, dinheiro, idéias e informações, e também, pessoas-máquinas frias, sem emoções, tão próximas e tão distantes umas das outras, tão distantes de si mesmas, resultando em desvinculamento, solidão, doença, morte.

Estamos, assim, vivendo o seu resultante emaranhado, estágio atual da expansão capitalista, na qual a tônica é a integração e a interdependência entre pessoas, empresas e organizações para um fluxo cada vez mais crescente de informações, num mundo sem fronteiras com crescente aceleração dos fluxos de capitais produtivos e especulativos, mercadorias, informações e pessoas (Sampaio, 2003: 14).

Os tempos mudaram e muito rapidamente. Veio a tecnologia, a informática, a aceleração dos processos, dos fluxos de capital, do conhecimento, enfim, a globalização e todas as suas turbulentas conseqüências de instabilidade e mutabilidade.

As tão badaladas megacidades do século passado começam a ceder lugar em importância às cidades globais. O importante hoje não são grandes cidades, no que se refere ao tamanho de sua população, e, sim, cidades que comportem uma boa infra-estrutura para polarização dos fluxos anteriormente citados.

O mesmo vem ocorrendo com as organizações. As grandes empresas eram caracterizadas por suas grandes construções e com gigantesca concentração de recursos. Hoje os grandes conglomerados organizacionais buscam estruturas mais simples, mais ágeis e autônomas, eliminando burocracias, incentivando a inovação e recuperando o espírito empreendedor, localizando e incentivando possíveis ilhas internas autônomas e auto-suficientes de prosperidade. (Chiavenato, 1997)

Essas mudanças estão ocorrendo dentro das empresas de forma rápida e intensa em todos os países industrializados e vêm contribuindo, também, para que as organizações, de modelos tradicionais, sofram profundas modificações em meio a fusões, aquisições e redefinições do processo produtivo. Cada vez mais, fronteiras nacionais desaparecem, formando um cenário de globalização, desigualdades, competição, rivalidades e lógica econômico-financeira (Sampaio, 2003).

Com a evolução da informática, a partir de meados do século passado, um computador de uso pessoal de hoje tem mais potência que todos os existentes no mundo antes de 1950. Portanto, o poder deixou de estar centralizado nas grandes máquinas/mainframes, passando para as pessoas (relação cliente-servidor). E essa transferência tem sido uma das responsáveis pela horizontalização das hierarquias nas organizações, saindo-se de um centro das decisões no poderoso patrão autocrático para as pessoas investidas de empowerment, ou seja, investir as pessoas de poder de modo a que lhes possibilite que realizem seus objetivos com comprometimento, legítima cooperação e profunda dedicação. (Kouzes, 1997: xxii).

Para Chiavenato (1997), as organizações, para sobreviverem a esse ambiente globalizado de extremas, inúmeras e velozes mudanças, precisam ser flexíveis, adaptativas, criativas, inteligentes, inovadoras e proativas. Segundo ele, "no futuro, o grande negócio será provocar a mudança, inventar a mudança e não simplesmente ajustar-se ou antecipar-se a ela" (1997: 20).

Ressalte-se que essa modernização deve acontecer, sobretudo com pessoas em primeiro lugar, para, em seguida, se dar em máquinas, equipamentos, capital e tecnologia, ao contrário do que tem acontecido nas últimas décadas (Chiavenato, 1997: 1).

Ainda segundo Chiavenato (1997: 9), a excelência exigida às empresas modernas perpassa por questões tanto em relação à estrutura organizacional para obtenção dos objetivos empresariais e, quanto também, no que se refere às pessoas – seus talentos e competências –, ao clima e à cultura organizacional, vislumbrando a realização humana, o comprometimento pessoal e a elevada produtividade.

Porém, estes modelos de organização ainda estão voltados para um mundo-máquina sem se aperceberem de que o movimento inverso, partindo do foco sobre o ser humano é que construir-se-á em organizações de fato legítimas, sólidas, integradas, cooperativas, com forte senso de comunidade, de inclusão, igualdade de direitos e deveres, etc., assunto este que está tratado no Capítulo 6 deste trabalho.

São as pessoas que formam a essência da excelência empresarial. Assim, da forma como for organizado e estruturado este ambiente ele influenciará o comportamento, os objetivos pessoais e a qualidade de vida das pessoas que o integram, uma vez que é neste ambiente que as pessoas trabalham e vivem a maior parte de suas vidas, com conseqüências no próprio funcionamento da empresa (SAMPAIO, 2003: 18).

Muito privilégio se tem dado a alguns poucos gestores que impulsionam organizações em meio a um cenário globalizante de modo a obterem resultados quantitativos cada vez mais positivos. Porém, verifica-se que os atributos que levam o gestor ao sucesso no mundo contemporâneo são poucos e o que conta é muito mais a qualidade que a quantidade.

Tais atributos, quando potencializados, levam o gestor a agir no sentido de valorização da equipe numa visão de time, de respeito aos seus integrantes, à busca constante da satisfação de todos por todos, à celebração conjunta de resultados alcançados. Uma organização somente existe quando todas as pessoas que dela fazem parte, sem exceção, são consideradas importantes.

Um bom gestor deve, essencialmente, ser integrador, fomentando vínculos saudáveis, possibilitando objetivos e metas claros, possíveis, construídos, compartilhados e pautados sobre valores comuns a todos.

Um gestor que assim age, obterá com o pessoal envolvido, rendimentos muito mais concretos, reais e duradouros que os puramente econômicos, numéricos e vulneráveis alcançados por uma liderança exercida de modo essencialmente autocrático e voltada exclusivamente a resultados e ao imediatismo.

Para os teóricos que vêem as organizações sob o foco antropológico, segundo Chanlat (1992: 44-45), é nesse contexto de um ambiente extremamente dinâmico e instável, aliado às quebras de fronteiras com a multinacionalização das empresas e suas conseqüências na construção das redes comerciais internacionais, aos movimentos migratórios entre países, à redefinição dos universos culturais e à reinterpretação dos imaginários, que as organizações e os indivíduos devem cada vez mais se inserir e movimentar.

Esses movimentos afetam acentuadamente sua dinâmica de modo complexo, em um espaço, ao mesmo tempo unidimensional , pluridimensional, interdimensional e transdimensional que envolve uma constante interdisciplinaridade num modelo em rede entre os âmbitos do indivíduo, da organização, da sociedade e o mundial, e da interação entre estes. A organização biocêntrica tem a vida como essencial tecido sobre o qual tais redes são tecidas.

Vários teóricos modernos da Administração, como Chiavenato, Chibber, Kouzes & Posner, Bennis & Nanus, dentre outros, são unânimes em considerar que a configuração do cenário organizacional, promovida pela globalização vem gerando novas formas de estruturação do trabalho, de suas relações e novas formas de organização das pessoas: é exigido de todos os profissionais da empresa mente aberta, proatividade, coragem para abraçar as mudanças, comprometimento com a geração de novos conhecimentos dia após dia, auto-estima elevada, autoconfiança, qualidade, integridade, desempenho, liderança, valores humanos.

Das organizações é exigida uma cultura de respeito ao meio ambiente, incentivo ao estabelecimento de relações saudáveis para potencialização de qualquer forma de vida, qualidade, capacidade cooperativa, adaptabilidade a mudanças, gestão participativa e descentralizada, capacidade para a inovação, estrutura enxuta e menos verticalizada, com quase nenhuma fronteira entre funções, comunicação clara, rápida e em todas as direções, e que, acima de tudo, contem com uma equipe afetivamente integrada [1], inovadora, criativa, que assuma riscos, envolvida com as metas e liderada com eficácia, pautada em valores humanos e valorização da vida (Sampaio, 2003: 18).

As organizações ditas modernas procuram meios para serem menos abertamente dominadoras – característica ainda do estado absolutista –, porém, ainda fazem uso, muito fortemente, da manipulação como dominação implícita [2]. Daí derivam crenças manipuladoras de dominação variadas do tipo: “ninguém é insubstituível”, “para uma função, existem cem batendo à porta”, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, ou, a máxima modernizada, “manda quem pode, obedece quem tem contas a pagar”, e por aí se segue.

São ditos “inocentes” mas que, na realidade, trazem uma carga emocional manipuladora de subjugação muito forte.

Percebe-se, numa leitura mais generalizada, uma epidemia que se alastra pelo mundo de fracasso institucional, como afirma Hock:

...organizações cada vez mais incapazes de atingir o propósito para o qual foram criadas, mas mesmo assim continuando a se expandir, devorando os escassos recursos, aviltando o espírito humano e destruindo o ambiente (2003: 38).

Este fracasso nada tem a ver com dinheiro, com a Economia ou com o mundo dos negócios. Ele tem a ver com a perda do senso de comunidade em torno de um propósito comum, com a perda da esperança, da emoção, do entusiasmo. Quando as pessoas não podem mais construir, elas inevitavelmente destroem (Hock, 2003: 268).

Comportamentos manipuladores não permitem a expressão da afetividade enquanto principal articuladora de relações saudáveis e potencializadora da expressão humana em sua inteireza e, por conseguinte, dos sentimentos e das emoções, levando a pessoa gradualmente a adoecer. Em geral, por conta dos dois terços, em média, da vida das pessoas que são vividas no trabalho, um ambiente organizacional doentio torna-se um fomentador de grande parte das doenças ditas da civilização.

Tentativas de formação de organizações que consideram os vínculos afetivos que se estabelecem entre as pessoas e entre estas e a organização, trabalhando de modo cooperado, embora competitivo, vem sendo realizadas desde meados do século XX. Seja na transposição da liderança autocrática para a baseada em valores ou mesmo na construção de organizações como um todo, a exemplo da Internet ou da VISA Internacional. Esta última tem o seu processo de formação, enquanto organização caórdica, muito bem exposto por Dee Hock, seu fundador e diretor executivo emérito, no livro Nascimento da Era Caórdica. Assim este autor define caórdico:

caord. s. (...) 1. Qualquer organismo, organização, comunidade ou sistema complexo, auto-organizado, autogovernado, adaptável, não-linear, seja ele físico, biológico ou social, cujo comportamento combine harmoniosamente características de caos e ordem. 2. Uma entidade cujo comportamento exibe padrões e probabilidades observáveis que não são governados nem explicados por suas partes constituintes. 3. Qualquer complexo ordenado caoticamente. 4. Uma entidade caracterizada pelo princípio organizador fundamental da evolução e da natureza (Hock, 2003: 40).

Como foi anteriormente citado, as mudanças vêm ocorrendo no mundo em todas as dimensões que permeiam a vida humana. São mudanças de paradigmas, de conceitos, de visões de mundo. De tão profundas e complexas, fala-se que estamos vivendo, não uma época de mudanças, mas uma mudança de época, propiciada pelos paradigmas sistêmico e complexo.

Para o entendimento da amplitude dessas mudanças, e da proposta deste trabalho, se faz necessária a compreensão do que é um paradigma, a influência das crenças, das doutrinas e das verdades estabelecidas na vida das pessoas, nas suas várias dimensões, desde a científica até a da vida comum no dia-a-dia.

Como são pensamentos ou visões de mundo que ainda estão em processo de desenvolvimento e que vêm sendo dialogadas por muitos estudiosos na atualidade, os mesmos ainda não atingiram a maioria das dimensões da vida do ser humano.

Nascida a partir das idéias de Rolando Toro, acerca do princípio biocêntrico, essencial para o desenvolvimento da teoria da Biodança – a dança da vida –, enquanto sistema de integração dos potenciais humanos, de modo a estimular a função primordial de conexão com a vida, a teoria da Educação Biocêntrica vem sendo estruturada a partir deste mesmo paradigma e vem recebendo importantes contribuições epistemológicas do pensamento complexo de vários teóricos modernos de diversas áreas das ciências humanas.

A Educação Biocêntrica surgiu, pois, como necessidade de se construir uma teoria pedagógica pautada no princípio biocêntrico e fundada na dinamização dos vínculos afetivos saudáveis de cada um consigo mesmo (identidade integrada), com o outro e com o meio, eixo que proporciona uma visão de mundo centrada na vida em contraposição à antropocêntrica: a vida não me pertence; eu é quem pertenço à vida.

Quanto à dimensão da saúde no ser humano, Boff (2004: 144) lembra que esta deve ser resgatada do próprio conceito emitido pela Organização Mundial da Saúde da ONU: “Saúde é um estado de bem-estar total, corporal, espiritual e social” e não apenas inexistência de doença e fraqueza.

Consonante com esta afirmação, a Educação Biocêntrica parte dos valores humanos de amizade, compaixão, solidariedade, fraternidade e amor, tendo a ética e a dimensão espiritual como balizadores transversais de todas as ações, objetivando uma vida saudável das pessoas. Nela a identidade se fortalece ante a presença do outro, na conexão com a natureza, na dança da vida.

[1] A partir da construção de vínculos afetivos saudáveis.
[2] Visão equivalente à de Focault com relação ao Estado Moderno.

Fonte:
SAMPAIO, Irene Nousiainen. Organização Biocêntrica - emergência de um novo paradigma na administração. Fortaleza, 2005. 116 p. Monografia (Especialização em Educação Biocêntrica - A Pedagogia do Encontro) –
Universidade Estadual do Ceará.

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