quinta-feira, 16 de outubro de 2008

EDUCAÇÃO BIOCÊNTRICA - Por uma educação centrada na vida

Texto de Feliciano Edi Vieira Flores
Do site:
www.prorext.ufrgs.br/nucleos/niete/texto-feliciano2.doc
Fotos extraídas de diversos sites da Web e do meu arquivo pessoal

EDUCAÇÃO HOJE

A Educação institucionalizada que vigora predominantemente nas sociedades atuais consiste em um processo de enquadramento da pessoa a um modelo determinado pela cultura; objetiva levar o “educando” à adaptação a esquemas de convivência considerados adequados para aquela sociedade.

Este enquadramento é orientado por modelos e esquemas de conduta, que prevêem e estabelecem como deverá ser o comportamento da pessoa no seu meio social, e por modelos e esquemas de conhecimentos, isto é, estabelecendo a priori o que é importante saber e que conhecimentos têm valor para aquela sociedade.

Assim, a Educação institucionalizada, com suas normas de comportamento e seus programas de conteúdos, é um processo que atua de fora para dentro, sem considerar, e mesmo desrespeitando completamente a individualidade, a identidade pessoal.

Nas palavras de Rolando Toro (1991), criador de Sistema Biodanzaâ:

“A Educação contemporânea, em quase todo o Ocidente, não cumpre sua tarefa de entr

egar ao indivíduo pautas internas de desenvolvimento. Não desperta nele os germens naturais de vitalidade, nem os valores do íntimo. Não desenvolve os potenciais criativos, a liberdade intelectual, nem a singularidade das aptidões. Não fomenta o esplendor das relações humanas. A Educação atual tende a produzir a adaptação servil ao establishment”.

A estrutura do sistema escolar é fundamentalmente influenciada por conceitos religiosos/militaristas de autoridade e hierarquia e por conceitos desportivos na sua pior acepção de competição e superação do adversário.

Os alunos sentam-se em fileiras, um olhando a nuca do outro, em “posição de sentido”, enquanto o “sargento-professor”, freqüentemente sobre um plano mais elevado, dá as ordens do que aprender e de como se comportar.

No caso destas ordens não serem cumpridas, terá que fazer “flexões” de constrangimento na Orientação Pedagógica ou a “solitária” na sala da Direção. A pena maior é a “prisão” naquele nível letivo por mais um ano.

A modalidade desportiva consiste nos “saltos de obstáculos” das provas, na “conquista” das notas e na “vitória” de passar de ano.

Na escola se pratica o mais nefasto darwinismo social: a luta pela vida e a predominância do mais forte. Tudo isto justificado pela pretensa preparação do aluno para ter sucesso futuro na livre e sadia competição no mercado de trabalho.

Cabe aqui citar a expressão de H. Maturana (1997), em seu livro Emociones y Lenguaje en Educación y Politica:

“A competição não é e nem pode ser sadia porque se constitui na negação do outro”

Trabalho cooperativo, nem pensar: o meu “colega-adversário” será um outro “competidor” no Vestibular e na exigente arena do citado mercado de trabalho.

Os movimentos instintivos de associação, cooperação, divisão de tarefas e integração, típicos dos organismos e comunidades vivos, são absolutamente negados na escola como reflexo do que ocorre na sociedade.

Neste particular temos que admitir que a escola não poderia ser outra na sociedade em que vivemos.

Por outro lado, é precisamente na escola que a transformação da sociedade pode ter início.

POR UMA ECUCAÇÃO CENTRADA NA VIDA

Ao ser proposta uma Educação centrada na vida torna-se necessário esclarecer o que se pretende com cada termo utilizado.

O conceito de Educação pode ser examinado na visão de diferentes autores. O sentido que usamos resulta de uma interpretação das raízes etimológicas da palavra: ex = para fora; ducere = conduzir, tirar. Assim, entendemos que Educação é o processo de possibilitar e incentivar o ser humano a “sair para fora”, expressar todas as suas potencialidades, tirar de dentro tudo aquilo que o revela como “ser humano”.

Quanto à idéia de vida que pretendemos apresentar aqui, esclarecemos:

1º - Vida, no contexto que a tomamos, não significa apenas a experiência do cotidiano no sentido da “vida que a gente leva”. No entanto, ao dizermos que “não significa apenas”, queremos assegurar que significa também o “viver de cada dia”.

Este viver passa a ter um significado especial, mais saboroso e nobre, quando o vivemos impregnados de um sentido mais profundo de vida.

2º - Vida, no contexto que a tomamos, não se limita, também, apenas às propriedades biológicas dos chamados seres vivos. Não obstante, consideramos que este aspecto, o biológico, não está fora da concepção de vida que queremos apresentar.

Quando usamos o termos Vida, aqui com letra maiúscula, como centro de um processo educativo, queremos significar “vida como expressão existencial”.

Sem pretender entrar no campo filosófico, entendemos que existimos porque estamos vivos, somos porque nos damos conta da manifestação da vida em nós.

E a vida em nós é o que realmente podemos chamar de milagre.

Cada um de nós, em particular, é o resultado de milhares ou milhões de encontros entre pares humanos que se reconheceram e, muito provavelmente, se amaram. De cada encontro se originaram outros seres humanos que novamente se encontraram, se amaram e deram continuidade à procriação de outros pares, até chegarem aos nossos pais. Estes, a partir de células vivas saídas de seus corpos, possibilitaram a formação de nosso corpo vivo. Somos, portanto, biologicamente, a continuidade, sem interrupção, de fusões e multiplicações celulares, cuja origem se perde na origem da própria vida sobre a Terra.

Quanto aos encontros originários, podemos quase garantir que, se um deles, e apenas um, não tivesse ocorrido, certamente não estaríamos aqui agora. Somos, portanto, cada um de nós, o milagre dos encontros que se deram na forma que se deram.

Somos, também, e cada um de nós, formados por um corpo constituído de um aglomerado de células, cujo conteúdo vem passando, sem interrupção, de dois corpos para um outro, através das gerações. Assim, graças a esta teia de relações que nos precede, somos todos parentes, somos todos irmãos.

Assumindo que a Vida em nós é o milagre dos encontros que nos precederam, nos sentimos na obrigação de reverenciá-la como a manifestação do Sagrado.

A Vida é, portanto, uma Hierofania.

A Educação Biocêntrica visa a conexão com a Vida.

Propondo uma inversão paradigmática, a Educação Biocêntrica objetiva a expressão da Identidade e a construção da Autonomia através de um processo de dentro para fora.

A expressão da Identidade se dá na relação com o outro e com o mundo. Ao ser reconhecido pelo outro e ao reconhecê-lo como semelhante mas distinto, eu me identifico como ser único e singular. Ao me inserir e integrar ao mundo, passo a fazer parte dele e do Todo. Como um holograma vivo, sou parte e todo no Universo.

Neste sentido, a competição individualista não cabe em um mundo no qual devemos “reconhecer o outro como legítimo outro”, citando novamente H. Maturana (1999).

Reconhecer o outro implica muito mais do que uma atitude ética: significa desenvolver pelo outro uma relação emocional que se exprime na afetividade, no amor incondicional aos semelhantes, na relação fraterna, solidária e altruísta.

A Autonomia se constrói a partir das potencialidades do ser humano, daquilo que cada um é como indivíduo, daquilo que recebeu como herança genética.

Estes potenciais de vida são incentivados a se manifestar na Educação Biocêntrica através do uso do Sistema Biodanza® como instrumento mediador no processo educativo.

A identificação e caracterização destes potenciais são delineadas por Rolando Toro (1991), eminente psicólogo e antropólogo chileno, sistematizador da Biodanza®:

- a sensação eufórica de estar vivo e o ímpeto vital que nos faz estar-no-mundo com coragem, alegria e entusiasmo - a Vitalidade;

- o prazer sensorial de relacionar-nos com o mundo e com os outros manifestando nossa capacidade de desejar, buscar e desfrutar as coisas boas da vida - a Sexualidade;

- a possibilidade de criar coisas novas, de participar na transformação do mundo, de expressar-nos pela arte - a Criatividade;

- a alegria da relação afetiva, da amizade, do amor, do vínculo com os semelhantes, da solidariedade e do altruísmo – a Afetividade;

- o anseio pela transcendência, pela busca da harmonia existencial e da integração à humanidade e ao universo – a Transcendência.

A Educação Biocêntrica visa o desenvolvimento otimizado destes potenciais de vida e a expressão de uma identidade relacional e amorosa.

A prática da Educação Biocêntrica, portanto, exige uma mudança existencial de paradigmas e uma nova maneira de ver o mundo. Devemos abandonar o antigo paradigma antropocêntrico e assumir como fundamento de vida um Princípio Biocêntrico, que considera a Vida como valor supremo e como manifestação hierofânica do Sagrado.


Bibliografia citada:

Maturana, Humberto – Emociones y Lenguaje en Educación y Politica. Santiago de Chile: Dolmen, 1997.

Maturana, Humberto – Transformaciónen la Convivencia. Santiago de Chile: Dolmen, 1999.

Toro, Rolando – Teoria da Biodança - Coletânea de textos. Fortaleza: Editora ALAB, 1991.


Texto resumido do tema desenvolvido na Mesa Temática

“BIODANÇA: PRINCÍPIOS E VIVÊNCIAS BIOCÊNTRICAS NA EDUCAÇÃO”,

apresentada no

II FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO: HUMANIZANDO TEORIA E PRÁTICA.

UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul – agosto, 2002.


Autor: Feliciano Edi Vieira Flores: Licenciado em Biologia, Mestre em Fisiologia Vegetal, Doutor em Ciências Naturais. Facilitador-Didata na Escola Gaúcha de Biodanza.

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do site: www.prorext.ufrgs.br/nucleos/niete/texto-feliciano2.doc

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