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I. INDIVÍDUO, PESSOA, CIDADÃO.
Todos somos indivíduos, a maioria pessoas e poucos cidadãos.
Não se assustem. Vamos diferenciar estes conceitos, que em nossas conversas misturamos e confundimos. E conceitos confusos tornam nossa visão da realidade também confusa.
O termo indivíduo vem do latim "indivisum", que quer dizer indivisível, algo inteiro em si mesmo.
Ora, deste modo somos similares a diversos outros seres, animais ou vegetais, considerados enquanto unidades. As árvores que compõem uma floresta, os bois que fazem parte de uma manada, os torcedores aglomerados num estádio de futebol vibrando por seu time, são todos indivíduos, isto é, unidades de um conjunto maior.
Nascemos indivíduos e aprendemos a ser pessoas. Portanto, nem todos os indivíduos tornam-se pessoas. O conceito de pessoa vem do grego "persona", uma máscara usada pelos atores do teatro grego para realçar os sentimentos e emoções de cada cena. Eles a colocavam em frente ao próprio rosto e falavam através dela, representando, portanto os "personagens" do drama. A psicologia, a partir deste termo, cunhou o conceito de "personalidade", isto é, o conjunto de comportamentos, atitudes, sentimentos, pensamentos que assumimos em nossas relações sociais, ao desempenharmos os mais diversos papéis na família, na comunidade. Ser pessoa significa assumir papéis sociais, que são aprendidos desde nossa infância até a nossa morte. Portanto ninguém é pessoa ao nascer.
A cidadania nasce quando saímos do casulo de nosso "personalismo" e assumimos conscientemente a construção de algo maior, o ser humano comunitário, que se manifesta como a cidade ou a pólis, onde vivemos e pela qual somos responsáveis. Neste sentido, os termos cidadão (de cidade) e político (de pólis) são sinônimos. Referem-se aos seres humanos que, além de serem indivíduos e pessoas, passam a cuidar e a construir a comunidade da qual são partes integrantes.
A liderança política nasce do desempenho desta responsabilidade social. A legitimidade do líder cidadão, ou líder político, resulta da aceitação de sua influência por parte daqueles que o seguem, numa relação dinâmica onde líderes e liderados tomam parte de uma missão maior que é o desenvolvimento auto-sustentado de sua comunidade, seja seu bairro, sua cidade, seu município, seu estado ou sua nação.
II. O "NÓS" E A CIDADANIA
Estarmos juntos é fundamental para construirmos o "nós", que é a base da coletividade. Este é o primeiro estágio da construção social, responsável pelo sentimento de "grupalidade", de acolhida e proteção social, resultante da fusão do "eu" no todo indiferenciado do "nós". É o que sente alguém, em seu anonimato, numa torcida, em que apenas usufrui o fato de ser um entre muitos semelhantes. Você acha que as pessoas, pelo fato de estarem em coletividade são, naturalmente, cidadãs? Certamente não. São pessoas que desfrutam de benefícios por pertencerem a uma coletividade, onde conseguem trabalho, alimentação, moradia, segurança, educação e diversos outros serviços públicos.
Precisamos diferenciar com maior clareza o fato de estarmos em coletividade, (simplesmente morarmos ou trabalharmos nesta coletividade), do sentimento de sermos parte da comunidade.
No primeiro caso, somos semelhantes a um hóspede de Hotel, onde passamos um certo tempo desfrutando (ou sofrendo) naquele lugar, um lugar "estrangeiro", isto é, estranho para nós, que por mais que sejamos bem tratados, nunca será nosso. Não nos sentimos enraizados naquela coletividade, nem comprometidos com o seu destino, com seu êxito ou fracasso.
A cidadania certamente pressupõe a existência do "nós" da coletividade, mas não se confunde com ele. Cria uma outra espécie de "nós", ao acrescentar os ingredientes da participação, do comprometimento e da parceria, transformando qualitativamente nosso estar em coletividade em ser comunidade, que resulta do compartilhamento sinérgico de recursos, pensamentos, valores, sentimentos, símbolos e ações humanas, fazendo emergir um novo valor na vida social - o de ser político ou ser cidadão.
Nesse sentido, podemos dizer que a comunidade é a expressão política da coletividade. Seguindo este raciocínio, enquanto na coletividade temos habitantes, contribuintes e consumidores, na comunidade temos cidadãos.
A cidadania, portanto, é produto de nosso comprometimento social e de nossa ação consciente e transformadora da realidade em que vivemos. Neste novo estágio gregário nos sentimos incomodados, agredidos, frustrados, quando alguma coisa de ruim acontece com algum de nós ou com o "nós", enquanto entidade única, seja nossa família, nosso bairro, nossa empresa, nossa cidade, nosso país. Do mesmo modo, quando nossa comunidade melhora em relação a algum indicador social ou econômico todos nos sentimos alegres, intimamente realizados, por estarmos identificados com este Todo comum. Esta identificação com a comunidade só ocorre quando somos cidadãos, participando, de fato, no processo de desenvolvimento auto-sustentável de nossa comunidade, seja na solução ou na prevenção de problemas, seja na busca de novas oportunidades de melhoria para todos.
A cidadania forma o sentimento de comunidade que, por sua vez, se alimenta da cidadania, criando num círculo virtuoso de participação e comprometimento social.
Com esta equação podemos criar a Nova Organização e a Nova Cidade, resultantes da prática da democracia, vivida em nosso dia-a-dia, em todas as relações humanas da qual fazemos parte.
Na Nova Cidade, as relações entre as três instâncias de nossa vida social: a Sociedade, o Estado e o Mercado são revistas, no sentido da plena realização humana em comunidade.
A Sociedade deixa de ser um conjunto polimorfo de indivíduos e pessoas, sofrendo e reclamando a insatisfação de seus interesses e necessidades, cuja responsabilidade delegou, nas eleições passadas, aos representantes do Estado.
O Estado deixa de ser uma instância burocrática inacessível, empreguista, incompetente e corrupta, fechada aos reclamos da sociedade e pautada tão-somente pelo jogo de interesses das elites.
O Mercado deixa de ser um ambiente de permuta de coisas e pessoas, de transações financeiras e mercantis apartadas da ética e dos interesses humanos mais legítimos, traduzidos nos indicadores de Qualidade de Vida Coletiva e no Índice de Desenvolvimento Humano da comunidade.
Nesta construção cidadã, como afirma o Senador Saturnino Braga: "Estado e Sociedade tendem a se confundir num processo de interligação crescente. Segundo essa mesma visão, as causações ou influências recíprocas vão se acentuando como numa espiral. A democratização se aprofunda e se torna cada vez mais viável. Os resultados positivos em termos de redução dos privilégios e de equalização de oportunidade espraiam-se pela sociedade, elevam o grau de conscientização e de politização, alargam as aspirações e os horizontes e, através da melhoria das condições materiais e culturais, aumenta a capacidade de participação popular e ressalta mais a importância dessa participação; abrem-se novas etapas e o ciclo positivo se amplia em novas perspectivas de realização democrática. Por etapas sucessivas, vão desaparecendo algumas das principais causas de alienação das massas: a falta de tempo e de dinheiro, as agruras da luta diária pela sobrevivência; a falta de cultura e o sentimento de Inferioridade ante as elites; a falta de motivação pelo sentimento de inocuidade."
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