sábado, 8 de setembro de 2007

CONSTRUINDO A DEMOCRACIA NAS ORGANIZAÇÕES

Texto de Ruy de A. Mattos
http://www.emco.com.br/artigos07.htm

A construção da democracia não pode ocorrer somente em nível das relações da sociedade com o Estado, seja através da interdependência e autonomia entre os três poderes da república, se por meio das eleições de nossos dirigentes e legisladores.

Uma sociedade será tão democrática quanto mais democráticas forem suas instituições e suas Organizações públicas e privadas.

É preciso coragem, despreendimento e persistência para construir os valores da democracia no âmbito das relações de trabalho que se estabelecem entre dirigentes, chefias e servidores nas Organizações públicas e entre patrões, gerentes e empregados, nas empresas privadas. E não basta a substituição do rótulo de "empregado" ou "servidor" para o de "'colaborador" como se tem feito, cinicamente, em muitas instituições, sem que isto de fato represente qualquer mudança nas relações de poder.

A democracia nas Organizações é construída sobre três pilares: a legitimidade, a participação e a simetria.

A legitimidade indica o nível de aceitação do líder por seus liderados, sendo assim, a base da autoridade, enquanto relação de poder que garante o cumprimento natural das decisões por aqueles que irão executá-las. Nas organizações, a legitimidade pode ser construída sobre o reconhecimento da competência gerencial. A eleição é a síntese desse reconhecimento, que se traduz no voto de confiança que os eleitores depositam no candidato, enquanto futuro gestor. Ainda pouco usada no âmbito organizacional, a eleição é a manifestação mais clara da legitimidade.

A participação é o fator que revela o grau de adesão voluntária dos liderados na construção e implementação das decisões organizacionais. É de sua natureza ser consciente, do contrário, teremos no lugar da participação, a execução obediente, desprovida de entusiasmo.

A participação é ação coletiva partilhada conscientemente. Quando ocorre, seus agentes assumem completa responsabilidade pelos êxitos, fracassos, sacrifícios e júbilos de cada empreitada.

Uma organização democraticamente dirigida tem na participação sua principal característica. Seus funcionários ou empregados fazem do trabalho um compromisso de cidadania com a realização do bem comum, que se expressa na satisfação da comunidade e no melhor atendimento ao cliente.

A simetria de poder entre interlocutores é o fator responsável pela construção de relações de mútuo respeito entre líderes e liderados. Quando a simetria é mantida em grau elevado, a liderança é fortalecida com a comunicação e o diálogo. Do contrário enfraquece-se em seus valores democráticos e passa a realçar seu lado autoritário e até mesmo despótico, ao atingir o extremo isolamento - "a solidão do gabinete". Desse modo, ao afastar-se psicologicamente de seus liderados, o líder mitifica-se e corre o risco de ser idolatrado ou repudiado por estes.

OS FATORES DETERMINANTES DA DEMOCRACIA NAS ORGANIZAÇÕES

Queremos destacar dois fatores que, ao nosso ver, determinam em grande parte o processo de democratização das Organizações: a capacidade de aprendizagem organizacional, que se expressa na produção e na disseminação do conhecimento; o desenho organizacional, que se manifesta nos regulamentos e normas de conduta, na designação de autoridade e responsabilidade e no modelo de comando e controle.

A Aprendizagem Organizacional

Quando se percebe que a qualidade do trabalho é diretamente proporcional ao nível de conhecimento produzido e disseminado entre as pessoas que o realizam, a aprendizagem organizacional aflora nas Organizações. As pessoas são estimuladas a romper barreiras construídas pela divisão hierárquica e burocrática do trabalho.

Na atual era do conhecimento em que vivemos, conhecer é cada vez mais sinônimo de poder. O grande desafio da construção da democracia é criar mecanismos gerenciais, culturais e estruturais que substituam a centralização do conhecimento nos altos escalões decisórios e o dissemine por toda a Organização, com ênfase na qualificação daqueles servidores ou empregados que se encontram nas fronteiras da Organização com seu meio-ambiente, atendendo face-a-face os clientes.

Ao criar redes de aprendizagem disseminadoras de conhecimentos, habilidades e atitudes, interligando os vários níveis e unidades, estaremos substituindo as ligações burras, repetitivas e disciplinadas do autoritarismo burocrático que manda e controla, por vínculos inteligentes, ricos de significado e de diálogo, típicos de relações de trabalho respaldadas na interdependência e no comprometimento mútuo, bases da democracia organizacional.

O Desenho Organizacional

O organograma é a representação gráfica da distribuição de poder na Organização. Sua forma mais tradicional é a pirâmide hierárquica que revela que as pessoas que desempenham as funções situadas em seu ápice concentram o poder e o conhecimento. À medida que descemos os degraus da hierarquia (comando sagrado, em grego) vemos o poder de diluindo e o conhecimento se transformando em memória repetitiva. Esta é a ideologia que sustenta as relações de trabalho numa organização típica da pré-revolução industrial e que vem persistindo até hoje, como fóssil vivo. No outro extremo, temos desenhos organizacionais que expressam e promovem a distribuição de poder e de conhecimento por todos os componentes organizacionais. A forma mais típica dessa nova estrutura organizacional é a Rede de Trabalho, constituída por Células de Negócios interligadas entre si por contratos de gestão e articuladas por um núcleo central.

Está clara a relação entre os modelos organizacionais e o regime de poder na Organização. Fazendo uma alegoria, podemos dizer que a estrutura constitui o esqueleto, o conjunto normativo representa a musculatura e as relações de trabalho revela o comportamento coletivo isto é, a cultura organizacional que, num círculo vicioso, reforça a estrutura e assim por diante.

A Pirâmide Hierárquica é o esqueleto ideal para criar e manter o autoritarismo combinado ao servilismo e fazer do controle e da disciplina os valores preponderantes da cultura organizacional. Por outro lado, a Rede de Trabalho, é a estrutura ideal à manifestação da democracia nas relações de trabalho, estimuladas pelo respeito mútuo, pelo comprometimento e pela construção coletiva dos destinos organizacionais.

A Democracia nas Organizações, apesar do tabu que ainda representa em nosso mundo tão racionalista e mecanicista, tem sido responsável pela migração de profissionais, em busca de melhores condições e oportunidades de desenvolvimento. Em recente reportagem, a Revista EXAME, ao tratar do tema de capa "Como Atrair Talentos", revela os casos de Alexandre Pombo e de Eduardo Cocozza: o primeiro responsabiliza "a estrutura monolítica da IBM que não permitia que eu exercesse a minha criatividade. Basicamente eu tinha que cumprir ordens e isso me frustrava"; o segundo, que mudou de empresa sem ganhar qualquer aumento salarial com isso, também condena a "estrutura rígida. Eu estava lá fazia seis anos e não via chance de mudanças a não ser a longo prazo."

Imaginem a situação de inúmeros outros empregados e servidores públicos que, ao se verem despreparados para um novo emprego, têm que se sujeitar ao ambiente autoritário, castrador da cidadania, que ainda caracteriza a grande maioria das Empresas e das Organizações Públicas de nosso país.

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