domingo, 9 de setembro de 2007

O PENSAMENTO COMPLEXO - TEORIAS DA COMPLEXIDADE

O pensamento complexo, ou paradigma da complexidade, tem sua essência em obras de vários autores, cujos trabalhos vêm tendo cada vez maiores aplicações na biologia, sociologia, antropologia social e nas propostas de desenvolvimento sustentado.

Segundo MARIOTTI (2000), uma de suas principais linhas é a biologia da cognição, desenvolvida por Humberto Maturana, a qual sustenta que a realidade é percebida por um dado indivíduo segundo a estrutura (a configuração biopsicossocial) de seu organismo num dado momento. Essa estrutura muda constantemente, de acordo com a interação do organismo com o meio.

Os pensadores sistêmicos reconheciam a existência de diferentes níveis de complexidade sujeitos, cada um, a diferentes tipos de leis, ou seja, em cada nível de complexidade os fenômenos observados exibem propriedades não existentes no nível inferior, como foi exemplificado por Capra (2003: 40): “o sabor do açúcar não está presente nos átomos de carbono, hidrogênio e de oxigênio que o constituem”. Essas propriedades foram, mais tarde, chamadas de propriedades emergentes.

O surgimento da teoria quântica, no início do século XX, provocou uma revolução no pensamento moderno, pois obrigou a ciência a repensar sua concepção reducionista analítica, ante o seguinte fato:

...os objetos materiais sólidos da física clássica se dissolvem, no nível subatômico, em padrões de probabilidade semelhantes a ondas. Além disso, esses padrões não representam probabilidades de coisas, mas sim, probabilidades de interconexões (Capra, 2003: 41).

Os estudos realizados por esse autor demonstraram que as partículas subatômicas não são “coisas” e somente podem ser entendidas como interconexões entre coisas, que, por sua vez, interconectam-se com outras coisas, e assim por diante.

A observação dessas interconexões mostram uma complexa teia de relações entre as várias partes de um todo unificado, “como um complicado tecido de eventos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam, se sobrepõem ou se combinam e, por meio disso, determinam a textura do todo” (Capra apud Capra, 2003: 42).

Também não havia àquela época técnicas matemáticas não-lineares capazes de descrever a emergência dos padrões de organização característicos da vida e de lidar com a complexidade dos sistemas vivos, o que somente veio a tornar-se possível com o desenvolvimento de poderosos computadores.

Segundo Mariotti (2000), a limitação do pensamento sistêmico se deve ao fato de que este pode proporcionar bons resultados, sob a ótica mecânico-produtivista, mas não é suficiente para lidar com a complexidade dos sistemas naturais, especialmente com os seres humanos. Sua eficácia e potencialidades são substancialmente diminuídas quando separado da idéia de complexidade.

Ainda para este autor, o pensamento sistêmico é apenas um dos operadores cognitivos do pensamento complexo:

O pensamento sistêmico é um instrumento valioso para a compreensão da complexidade do mundo natural. Porém, quando aplicado de modo mecânico, como simples ferramenta (como se vem fazendo nos dias atuais, principalmente nos EUA, no mundo das empresas), proporciona resultados meramente operacionais, que não são suficientes para compreender e abranger a totalidade do cotidiano das pessoas (Mariotti, 2000: 3).

Importantes contribuições para a evolução do pensamento científico - do sistêmico para o complexo – originaram-se em estudos da lógica da mente com base na cibernética e na teoria da informação. Estes estudos levaram, a partir de meados do século passado, à concepção do ser humano como um processador de informações e, ainda, que o conhecimento não é, nessa lógica, contextualizado e nem concebe valor, que são dados abstratos.

Esse paradigma para a tecnologia, ainda é encontrado nos dias de hoje, em que a mesma prevalece sobre o ser humano e não no sentido de que deve ser um meio a serviço da inclusão e da melhoria da qualidade de vida do ser humano.

É importante ressaltar que informações não criam idéias. A mente humana pensa com idéias e não com informações. As idéias é que criam informações. Idéias, portanto, são padrões integrativos que derivam da experiência e não da informação (Capra, 2003).

Argumentos críticos foram apresentados contra o paradigma tecnológico, instalado com o advento da informática no século passado, no sentido de que não existem regras para o cérebro, não há um processador lógico central e as informações não estão armazenadas localmente como no computador.

Ao contrário, os estudos apontam para uma ampla complexidade de interações que se estende não somente pelo cérebro, mas por todo o organismo e do organismo com os outros/com o meio, com uma característica preponderante de auto-organização não encontrada em computadores.

Por outro lado, todos esses estudos resultaram no desenvolvimento de computadores com uma capacidade de processamento cada vez mais potente que possibilitaram os cálculos matemáticos tão necessários à ciência da complexidade. Compreende-se, então, que a tecnologia deve ser usada a serviço da melhoria da qualidade de vida de todos os seres viventes.

O entendimento de padrão de organização – uma configuração de relações características de um sistema em particular e essencial para a compreensão da vida, sintetiza duas abordagens diferentes: o estudo da substância ou estrutura, no qual as coisas são medidas e pesadas e o estudo da forma ou padrão que não podem ser medidos nem pesados, mas que podem ser mapeadas as configurações de relações, os padrões de rede.

Ao padrão de rede está intimamente ligado o conceito de realimentação, que permite às redes desenvolveram a capacidade de regularem-se a si mesmas. Assim, uma comunidade pode corrigir seus erros, auto-regular-se e auto-organizar-se.

No meio científico, a primeira e mais influente descrição de um sistema auto-organizado, como dito anteriormente, foi desenvolvida por Ilya Prigogine [1] com a teoria das Estruturas Dissipativas [2]. Segundo a mesma, estas não só se mantêm afastadas do equilíbrio como podem até mesmo evoluir, e que, mediante instabilidades podem se transformar em novas estruturas de complexidade crescente, denotando uma fonte de nova ordem e complexidade.

Capra assim expressa as características da auto-organização:

...é a emergência espontânea de novas estruturas e de novas formas de comportamento em sistemas abertos, afastados do equilíbrio, caracterizados por laços de realimentação internos e descritos matematicamente por meio de equações não-lineares (2003: 80).

No pensamento desse importante estudioso da complexidade, a auto-organização emergiu como a concepção central da visão sistêmica da vida e está estreitamente ligada a redes, assim como as concepções de realimentação (Capra, 2003).

As idéias-chave do modelo de auto-organização [3] foram desenvolvidas em muitos sistemas diferentes nas décadas de 70 e 80 do séc. XX, chegando ao entendimento de que “os resultantes modelos de sistemas auto-organizadores compartilham certas características chaves, que são os principais ingredientes da emergente teoria unificada dos sistemas vivos” (Capra, 2003: 79).

A idéia de autopoiese surgiu a partir da expansão da idéia de homeostase seguindo em duas direções importantes: primeiro, que a autopoiese transforma todas as referências da homeostase em internas ao sistema; e, segunda, que ela afirma ou produz a identidade do sistema, ou seja, o sistema produz a si próprio, dessa forma, produz a sua identidade distinguindo-se a si mesmo do seu ambiente (RAMOS, 2004).

O conceito de autopoiese foi desenvolvido por Humberto Maturana [4] e Francisco Varela [5], a partir de estudos sobre os sistemas vivos como sistemas cognitivos válidos para todos os organismos, com ou sem sistema nervoso, a partir de pesquisas sobre a autonomia nos processos vitais.

Estes cientistas concluíram que, os seres vivos caracterizam-se pela capacidade de “produzir a si mesmos” continuamente, de refazer-se, resultando que a vida como um processo é um processo de cognição. Em 1974, juntamente com Ricardo Uribe, os mesmos desenvolveram um modelo matemático correspondente para a célula viva – sistema autopoiético mais simples.

A autopoiese revela uma autonomia biológica na qual as células parecem “saber” como se comportar no tempo e no espaço, de modo a gerar os diversos órgãos e desenvolver as funções vitais, permitindo organizarem-se, sendo então, uma das características essenciais da vida.

Este conceito refere-se essencialmente a rede de processos de produção, nos quais a função de cada componente consiste em participar da produção ou da transformação de outros componentes da mesma, resultando em que toda ela “produz a si mesma” continuamente. É um padrão geral de organização comum a todos os sistemas vivos, qualquer que seja a natureza dos seus componentes.

Os estudos de Maturana também levaram à concepção de que a realidade é criada por um dado indivíduo, segundo a estrutura (a configuração biopsicossocial) de seu organismo num dado momento. Essa estrutura muda constantemente, de acordo com a interação do organismo com o meio.

Humberto Maturana e Francisco Varela conseguiram estabelecer uma importante distinção entre “organização” e “estrutura”, que muito contribuiu para clarificar a questão dentro de uma concepção sistêmica e rompendo com a visão mecanicista:

A organização de um sistema vivo é o conjunto de relações entre os seus componentes que caracteriza o sistema como pertencendo a uma determinada classe (tal como uma bactéria, um girassol, um gato ou um cérebro humano) (Capra, 2003: 89).

Outras teorias importantes foram sendo desenvolvidas dentro da ótica da complexidade, como as a seguir apresentadas (Briggs, 2000; Capra, 2003; Moraes, 2003):

- Teoria do laser: num laser certas condições especiais se combinam para produzir uma transição da luz de lâmpada normal, que consiste numa mistura não-ordenada de ondas luminosas de diferentes freqüências e diferentes fases, para a luz de laser ordenada, que consiste num único trem de ondas monocromático e contínuo.


- Teoria dos Hiperciclos
: com tempo suficiente e um fluxo contínuo de energia, os ciclos catalíticos tendem a se encadear para formar laços fechados ou hiperciclos, nos quais os catalisadores produzidos em um ciclo atuam como catalisadores [6] no ciclo subseqüente.

- Teoria Gaia: estudos realizados por James Lovelock sobre auto-organização o levaram, juntamente com a microbiologista Lynn Margulis, ao desenvolvimento da idéia do planeta Terra (Gaia – deusa grega da Terra) como um grande sistema vivo, auto-organizador – um sistema aberto, afastado do equilíbrio, caracterizado por um fluxo constante de energia e de matéria, cujos laços de realimentação ligam conjuntamente sistemas vivos e não-vivos – um todo integrado. A hipótese Gaia é assim enunciada por Margulis:

...a superfície da Terra, que sempre temos considerado o meio ambiente da vida, é na verdade parte da vida. A manta de ar – a troposfera – deveria ser considerada um sistema circulatório, produzido e sustentado pela vida....Quando os cientistas nos dizem que a vida se adapta a um meio ambiente essencialmente passivo de química, física e rochas, eles perpetuam uma visão seriamente distorcida. A vida, efetivamente, fabrica e modela e muda o meio ambiente ao qual se adapta. Em seguida, esse 'meio ambiente' realimenta a vida que está mudando e atuando e crescendo nele. Há interações cíclicas constantes (apud Capra, 2003: 94).

O resultado de versões desenvolvidas por Lovelock bem mais sofisticadas e com sistemas altamente complexos sobre o modelo matemático informatizado, “Mundo das Margaridas”, que representa um sistema Gaia, de modo bem simplificado e desenvolvido por ele mesmo demonstram que as pequenas flutuações de temperatura presentes no modelo simplificado se nivelavam e que a auto-regulação se tornava progressivamente mais estável à medida que a complexidade do modelo aumentava; comprovou, também, que a auto-regulação do sistema vivo é notavelmente elástica sob catástrofes.


- Teoria dos Sistemas Dinâmicos ou matemática da complexidade: utiliza a matemática de relações e de padrões, sendo mais qualitativa que quantitativa, envolvendo mais padrão que substância, relações que objetos. O uso do computador possibilitou aos matemáticos responderem questões complexas e imprimir soluções sob a forma de curvas num gráfico. A matemática da complexidade tornou possível trazer ordem ao caos (as Teorias do Caos e dos Fractais são ramos da Teoria dos Sistemas Dinâmicos).

- Atrator de Ueda: estudo realizado pelo matemático japonês Yoshisuke Ueda no final da década de 60 do século XX, a partir de observações sobre o “pêndulo caótico”, cujo balanço desse oscilador caótico é único, portanto, o sistema nunca se repete, mas os pontos no espaço de fase formam um padrão complexo e altamente organizado – um atrator estranho que levou o nome de Ueda. O atrator de Ueda é uma trajetória num espaço de fase bidimensional que gera padrões que quase se repetem, mas não totalmente. Outra característica importante desse tipo de atrator é que ele tende a ser de dimensionalidade muito baixa, mesmo num espaço de fase com um elevado número de dimensões, de onde se conclui que o comportamento caótico, no novo sentido científico do termo, é muito diferente de movimento aleatório, errático – o comportamento caótico é determinista e padronizado.

- Efeito borboleta: descoberto no início da década de 1960 pelo meteorologista Edward Lorenz que, a partir de estudos de condições meteorológicas, observou que os sistemas caóticos são caracterizados por serem extremamente sensíveis às condições iniciais – mudanças minúsculas no estado inicial do sistema, levando, ao longo do tempo, a conseqüências em grande escala, ou seja, a partir de dois pontos de partida praticamente idênticos, desenvolver-se-iam duas trajetórias por caminhos completamente diferentes, tornando impossível qualquer previsão a longo prazo, embora isso não queira dizer que a teoria do caos não é capaz de quaisquer previsões. As previsões precisas realizadas a partir da teoria do caos referem-se às características qualitativas do comportamento do sistema e não dos valores precisos de suas variáveis num determinado instante. Todos esses estudos marcaram o início da teoria do caos, sendo, então, o atrator de Lorenz o atrator estranho mais estudado a partir de então.

- Teoria do Caos: ramo da Teoria dos Sistemas Dinâmicos que trata dos processos não-lineares, altamente complexos e imprevisíveis. Em sistemas não-lineares, pequenas mudanças podem ter efeitos dramáticos, pois podem ser amplificadas repetidamente por meio de realimentação de auto-reforço, cujos processos constituem a essência das instabilidades e da súbita emergência de novas formas de ordem, típicas da auto-organização. Sua elaboração foi possível a partir da matemática da Teoria dos Sistemas Dinâmicos cujos fundamentos foram estabelecidos por Jules Henri Poincaré [7], e foi, também, o cientista que retomou o imaginário visual para a matemática. Poincaré também percebeu que, ao se tentar representar as infinitas interseções estabelecidas por duas curvas, essas interseções formam uma espécie de rede infinitamente apertada [8]:

...nenhuma das duas curvas pode jamais cruzar consigo mesma, mas deve dobrar de volta sobre si mesma de uma maneira bastante complexa a fim de cruzar infinitas vezes os elos da teia. Fica-se perplexo diante da complexidade dessa figura, que eu nem mesmo tento desenhar (Capra, 2003, 110).

- Teoria das Catástrofes: foi desenvolvida a partir de estudos sobre os atratores estranhos e seu comportamento ante pequenas alterações. Em sistemas não-lineares, pequenas mudanças em certos parâmetros podem produzir mudanças dramáticas nas características essenciais do retrato de fase: atratores podem desaparecer ou converter-se uns nos outros, ou novos atratores podem aparecer subitamente, sendo os pontos críticos de instabilidade denominados de “pontos de bifurcação”, em que o sistema se ramifica em nova direção. Um de seus estudiosos, o matemático francês René Thom, na década de 1970, utilizou o termo “catástrofes” em vez de “bifurcações”, e foi quem identificou sete catástrofes elementares (hoje, os matemáticos já estudaram mais de vinte).

- Teoria dos Fractais: inventada independentemente da teoria do caos e sendo também um ramo da Teoria dos Sistemas Dinâmicos, a teoria dos fractais utilizou a geometria fractal para descrever em “escala fina” a estrutura dos atratores caóticos. Desenvolvida pelo matemático francês Benoît Mandelbrot, na década de 60 do século passado, a partir da compreensão de que todas essas formas geométricas tinham algumas características comuns bastante notáveis e que a geometria fractal poderia descrever e permitir a análise da complexidade das formas irregulares no mundo natural que nos cerca, como as nuvens, pois fractais são objetos e estruturas de dimensão espacial fracionária, com propriedades de extensão infinita dos limites, permeabilidade dos limites e auto-similaridade. A propriedade mais notável das formas fractais é que seus padrões característicos são repetidamente encontrados em escala descendente, de modo que suas partes, em qualquer escala, são, na forma, semelhantes ao todo (Tôrres, 2001) – sendo os atratores estranhos extraordinários exemplos de fractais. Dentro da ótica da complexidade, embora seja impossível calcular o comprimento ou a área de uma forma fractal, devido à infinitude das dimensões, conforme a infinitude de escalas, pode-se ainda definir o grau de “denteamento” de uma maneira qualitativa. A geometria fractal possibilitou a Mandelbrot descobrir uma estrutura matemática altamente complexa, conhecida como Conjunto de Mandelbrot que, para sua compreensão são necessários importantes conceitos matemáticos, incluindo os números complexos.

Todas essas teorias contribuíram para a compreensão da vida como redes aninhadas dentro de redes, sem hierarquização que formam os sistemas vivos – a complexidade da vida não restrita à estrutura, mas incluindo-se a forma e o padrão relacional das partes – um todo de partes integradas. A qualidade, então, ressurgiu na ciência com uma importância essencial, integrando a quantidade, objetividade e subjetividade, estrutura e padrão e influindo nas diversas dimensões de atuação do ser humano.

O paradigma da complexidade nos proporciona uma nova perspectiva sobre as chamadas hierarquias da natureza, como explica Capra:

Desde que os sistemas vivos, em todos os níveis, são redes, devemos visualizar a teia da vida como sistemas vivos (redes) interagindo à maneira de rede com outros sistemas (redes). Por exemplo, podemos descrever esquematicamente um ecossistema como uma rede com alguns nodos. Cada nodo representa um organismo, o que significa que cada nodo, quando amplificado, aparece, ele mesmo, como uma rede. Cada nodo na nova rede pode representar um órgão, o qual, por sua vez, aparecerá como uma rede quando amplificado, e assim por diante (2003: 44).

O mundo sob esta ótica é assim poeticamente percebido por Hock:

A linguagem é uma comunicação desajeitada, comparada à que acontece entre a brisa e o pássaro. A inseparabilidade e a totalidade estão em toda a parte. Ossos e penas, carne e espírito, espaço e tempo – vento, pássaro, luz do Sol, Terra, homem – irrevogavelmente interligados, definindo um ao outro. Todos cooperam e competem entre si ao mesmo tempo, separados mas inseparáveis, um todo de partes de uma parte de todos, nenhum no controle, mas tudo em ordem. (...) É impossível conceber ‘coisa’ sem o conceito de ‘não-coisa’. Não há pássaro sem homem e não há homem sem pássaro. Onde estão os limites, a não ser na mente? (2003: 33)

Edgar Morin defende uma reforma do pensamento que possibilite a aplicação dessas novas idéias, pois considera o ser humano como reducionista por natureza e, por isso, é necessário um esforço para que possa compreender a complexidade, pois a simplificação não exprime a unidade e a diversidade presentes no todo, condenando a perda de visão geral, sem condenar a especialização.

É o que tem acontecido com as organizações também. A grande maioria das pessoas que a compõem realizam seu trabalho compartimentado sem participação no produto ou resultado do início ao fim do seu processo. Neste caso, um operário que assenta tijolos num edifício em construção, quando acabado, não o reconhece como obra sua.

Por mais preponderante que ainda seja o pensamento reducionista do cartesianismo antropocêntrico, a complexidade, resultante da complementaridade das visões de mundo linear e sistêmica que ora se descortina, somente poderá ser entendida a partir do pensamento complexo - aberto, abrangente e flexível - para o entendimento das constantes mudanças da realidade sem negar a multiplicidade, a aleatoriedade, a incerteza e convivendo com elas (Mariotti, 2000).

Esta visão de realidade é assim expressa por Góis [9]: “a realidade é um todo em movimento complexo (instável, impreciso e incerto), que se transforma mediante uma estranha rota feita de múltiplos laços de re-alimentação entre suas unidades menores”.

Portanto, em ambientes organizacionais, as pessoas não devem estar focadas somente nos resultados, possibilitando, assim, ficar mais facilmente abertas frente às bifurcações.

No pensamento de Silva (2003), o que se percebe atualmente é uma crise de legitimidade — perda de vigência dos valores, princípios, premissas e promessas — que caracteriza o ocaso de uma época. Vivenciamos a fragmentação da coerência interna de famílias, grupos sociais, organizações, comunidades e sociedades, bem como a perda de correspondência entre estes atores e seus respectivos contextos relevantes.

Este mesmo autor alerta para as exigências da mudança de época que ora vivemos ao enfatizar que, durante a mudança de época (ascensão do capitalismo), a ciência moderna ganhou legitimidade como uma “ciência para a sociedade”, uma “ciência sem consciência” em correspondência com a indiferença do industrialismo emergente:

Durante a atual mudança de época (...) a sociedade civil exige uma ciência da sociedade, uma ciência com consciência em correspondência com a sustentabilidade do Planeta e de 'mundos' menos desiguais e mais justos e felizes.... Uma vez mais, tudo que é sólido se dissolve no ar e tudo que é sagrado é profanado (Silva, 2003: 2).

O modo como nos tornamos propensos a pensar, por meio da educação e da cultura, é que vai determinar as práticas no dia-a-dia, tanto no âmbito individual quanto no social. Daí a importância de se ter claro que paradigma está norteando uma ação humana para que, de fato, o ser humano, então, possa vir a ser o próprio construtor de si mesmo no mundo, como nos lembra Luckesi, citado por Cavalcante (2001: 77): “Quem não pensa é pensado por outros”.

Com uma visão de mundo a partir do pensamento complexo, um gestor ou consultor ou qualquer integrante do ambiente organizacional pode abrir novas perspectivas para soluções de problemas interiores seus, cotidianos do ambiente interno da empresa e mesmo do mundo ao seu redor.

Em meio ao paradigma da complexidade, Toro (2002), em seus estudos para a fundamentação de sua teoria sobre a Biodança [10] para integração das dimensões saudáveis do ser humano, resgatando a afetividade para uma revalorização da vida, a partir do movimento, da música e da vivência, privilegiou a vida como centro organizador de tudo que existe, rompendo definitivamente com a visão antropocêntrica de mundo.

A vida, então, passou a ser o paradigma norteador de todo o pensamento desenvolvido por Rolando Toro, que, em discussões conjuntas com outros estudiosos da Biodança ligados à área educacional, desenvolveram uma pedagogia voltada para o encontro (consigo, com o outro e com o meio) – a Educação Biocêntrica –, teoria que vem sendo construída a partir de princípios e conceitos ainda não usuais. Nas organizações em geral, estes são alguns dos novos conceitos: afetividade, construção do conhecimento, reflexão, diálogo, vivência, corporeidade, identidade saudável, criatividade, auto-avaliação, transcendência, qualidade de vida, ação compartilhada e solidária, círculo de cultura, palavra geradora, promoção de mudanças culturais, desenvolvimento de habilidades e competências, laboratório temático e consultoria de terceiro partido.

O papel de líder, gestor, consultor ou facilitador comprometido com a vida, com a saúde, com os valores humanos, enfim, com a ética sempre será o de um bom educador. Não diferente, um educador biocêntrico buscará trazer à baila a vida como centro organizador de tudo que existe, potencializando o que há de bom em si mesmo, no outro e no meio. Com a compreensão da teoria da complexidade, um gestor, consultor, facilitador ou líder tem a possibilidade de abrir novas perspectivas com soluções mais saudáveis e criativas para problemas cotidianos do ambiente interno de sua empresa e do mundo ao seu redor.

A complexidade é, hoje, compreendida como um fato da vida que corresponde à rede resultante da contínua interação entre infinitos sistemas e fenômenos diversos que compõem o mundo natural.

Somos um sistema complexo, multidimensional sendo, ao mesmo tempo, formados no âmbito micro de infinitos sistemas complexos e, no âmbito macro, integrantes de um infinito sistema complexo – o Todo.

Esta é a nova visão de mundo que se configura. Visão que, segundo Mariotti (2000), aceita e procura compreender as mudanças constantes que acontecem na realidade, aceitando a multiplicidade, a aleatoriedade e a incerteza, convivendo com elas.

Dentre os vários conceitos ligados ao pensamento complexo nas organizações Tôrres (2001) cita: complexidade, cultura, diálogo, diversidade, eqüidade, interdependência, multicausalidade, natureza, planeta, solidariedade, sustentabilidade, pessoas, valores humanos, ética, relacionamento e processo, liderança compartilhada, significado compartilhado, consenso, cooperação, comunidade, domínio coletivo, alavancagem da diversidade, contexto, gerente conceitual, história, prospecção, participação, sistema, cenários, autoridade do argumento, pessoa integrada, saúde, contraste, instabilidade, diversidade, criatividade, opções, auto-organização, dentre outros.

Segundo Tôrres (2001), especificamente nas organizações, o pensamento complexo e a teorias que lhe dão sustentação podem ser aplicadas, como está exposto a seguir.

A visão de uma organização, enquanto fractal, importa na percepção de interação entre todas as suas partes que, por sua vez, refletem a organização como um todo. Não há hierarquização e cada pessoa de cada unidade é investida de poder, com autonomia para agir sem desvinculação dos princípios, conceito e estrutura em busca do propósito que norteia a organização como um todo, assunto tratado mais à frente no capítulo 6 – A organização biocêntrica.

Cada unidade, do mesmo modo, tem autonomia para agir em conformidade com os preceitos relatados. Uma unidade, nesse contexto, supera o conceito de equipe, sendo formada pela visão de time em que cada um coopera a partir de determinado propósito, integrando todos e formando, portanto, uma unidade. Como o é, em escala maior, a organização como um todo.

Os fractais trouxeram a importância do aumento dos limites da organização seja no âmbito micro, pela ampliação de visão sobre detalhes ou no âmbito macro, percebendo a escala utilizada como detalhe de uma visão muito maior. Pode ainda, reformular um padrão existente, de forma retrospectiva, pelo desenvolvimento de novas interpretações de eventos passados.

Com a mesma percepção de que os limites dos fractais são permeáveis, vislumbra-se a organização como entidade permeável que realiza intercâmbio de dados, energia, matéria com cada pessoa que lhe forma (movimento entre a organização e cada pessoa) e em maior escala com o mundo (entre a organização e o todo – clientes, não-clientes, fornecedores, parceiros, outras organizações, meio-ambiente, etc.). Essa percepção de mundo já existia há 500 a.C. quando Anaxágoras citado por Tôrres (2001), afirmava que:tudo pode ser dividido em partes ainda menores, mas mesmo na menor das partes existe um pouco de tudo”.

O conceito de interconectividade está hoje perceptível em todas as dimensões da vida como nas relações entre as pessoas, suas relações com o meio-ambiente, com a organização, com a tecnologia e com a natureza.


[1] Ilya Prigogine (25/01/1917, Moscou, Rússia - 28/05/2003, Bruxelas, Bélgica) foi ganhador do Prêmio Nobel de Química de 1977 pelos seus estudos em termodinâmica de processos irreversíveis resultando na formulação da Teoria das Estruturas Dissipativas. Foi professor da Universidade Livre de Bruxelas/Bélgica e da Universidade do Texas, Austin (Wikipédia, 2005).

[2] Definição de sistemas auto-organizados com estreita associação entre estrutura e ordem e dissipação (em sistemas abertos, a dissipação torna-se uma fonte de ordem) (Capra, 2003).

[3] Ilya Prigogine realizou a ligação essencial entre sistemas em não-equilíbrio e não-linearidade, Herman Haken (Alemanha) desenvolveu a teoria não-linear do laser; Manfred Eigen (Alemanha) estudou os ciclos catalíticos; James Lovelock (Inglaterra) desenvolveu o modelo da hipótese Gaia – o planeta Terra como um todo é um sistema vivo, auto-organizador; Lynn Margulis (Estados Unidos) microbiologista que elaborou juntamente com James Lovelock a Hipótese Gaia; Humberto Maturana (Chile) e Francisco Varela (Chile) desenvolveram estudos sobre a organização dos sistemas vivos, o conceito de autopoiese e dos sistemas vivos como sistemas cognitivos. (CAPRA, 2003)

[4] Neurocientista chileno (1928 - ), desenvolveu estudos na área da biologia na Inglaterra e nos Estados Unidos na década de 50, retornando à Universidade de Santiago – Chile em 1960, onde especializou-se em neurociência e no entendimento da percepção da cor. (Tierramerica, 2005)

[5] Neurocientista chileno (7/9/1946, Chile - 28/5/2001, Paris, França) da Universidade de Santiago, foi aluno de Humberto Maturana com quem colaborou a partir de 1970. Foi co-criador com Maturana do conceito de autopoiese. (Enolagaia, 2005)

[6] Em química, catalisador é uma substância que aumenta ou diminui a velocidade de uma reação química sem ser, ele próprio, alterado no processo. (Wikipédia, 2005)

[7] Matetemático e generalista do século XX (29/4/1854, Nancy, França - 17/7/1912, Paris, França). Foi quem utilizou a topologia – geometria não-euclidiana, na qual todos os comprimentos, ângulos e áreas podem ser distorcidos à vontade, ou seja, todas as figuras podem ser transformadas umas nas outras por meio de desdobramento, estiramento e torção (Setrem, 2005; Capra, 2003).

[8] Com os computadores atuais de alta velocidade tornou-se possível traçar as trajetórias complexas da figura proposta por Poincaré. (Capra, 2003)

[9] Extraído de apontamentos de sala de aula do curso Habilidades em Consultoria e Desenvolvimento Humano (13/09/2003).

[10] Definida por Toro, como: um "sistema de promoção da renovação orgânica como resultado da homeostase, do equilíbrio interno e da redução dos fatores de estresse; de reeducação afetiva por meio do fortalecimento dos vínculos estabelecidos nas relações consigo mesmo e com o outro; de reaprendizagem das funções originais da vida através da sensibilização dos instintos básicos indispensáveis à sobrevivência da espécie" (2002:33).

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Fonte: SAMPAIO, Irene Nousiainen. Organização Biocêntrica - emergência de um novo paradigma na administração. Fortaleza, 2005. 116 p. Monografia (Especialização em Educação Biocêntrica - A Pedagogia do Encontro) – Universidade Estadual do Ceará.

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